https://www.youtube.com/watch?v=7dKGcg_jBhw
“Hoje
não é um dia qualquer, estou partindo novamente. Tenho esperado muitos meses
para ir a outra de minhas longas viagens. Todos os aromas, cores e sabores que
eram tão frescos em minha mente, começavam a ser recordações difusas que se
misturavam com umas com as outras formando uma chuva de lugares que você quer
voltar de novo e de novo...
Preciso
voltar a perder a noção do tempo, e que cada dia da semana seja chamado o
mesmo... não saber em que mês estou, é incrível, mas acontece.
Preciso
que os domingos não sejam tristes, ou as quartas-feiras o dia do espectador.
Quero que a única coisa importante seja pensar o que fazer em cada momento:
onde dormir a cada dia, o que comer, como chegar à cidade seguinte, o que me
espera ao descer do próximo ônibus, do próximo barco, do próximo trem...
Não
gosto de voar, mas é o preço que tenho que pagar para que, a partir de hoje,
cada dia não seja um dia qualquer. O melhor de estar longe de tudo que conheço
é saber que a cada passo que dou, algo totalmente novo me espera. Não ter um
caminho certo em que eu sei de cor cada semáforo, cada loja, cada esquina...
faz-me seguro em tudo ao meu redor. Que eu fique alerta para não perder nada. É
então que tenho a sensação de estar em um momento único e que tudo o mais não
importa.
Reconheço
que estou presa a essa forma de vida. Estou aqui, neste lugar estranho ao meu
mundo, agora. E talvez, não volte nunca mais. Tenho que aproveitar cada
momento, guardá-lo na memória, para que daqui a muitos anos, eu recupere algum
segundo de tudo isso. Algum segundo que tenha sobrevivido ao passar do tempo, e
que me recorde daqui por um momento. Não me lembro o que aconteceu em um dia
normal da escola há três semanas, mas quero recordar que estive aqui...
Sempre
acontece o mesmo, é difícil eu me adaptar às mudanças. É uma pequena
descompressão, ou melhor, uma pequena compressão de costumes diferentes que me
pegam desprevenida no começo, os mesmos em que pouco tempo me acostumo e
faço-os meus. Nunca me deixa de surpreender a capacidade de adaptação que tem o
ser humano.
Reconheço
que não gosto de encontrar espanhóis pelo mundo. Quando isso ocorre, procuro
não falar e passar desapercebida... em parte, me sinto mal por fazer isso, mas
a verdade é que odeio as exaltações nacionalistas a quilômetros do seu país.
Além disso, é uma situação que torna tudo menos autêntico .... menos especial.
E sejamos sinceros, quando alguém está fora de casa, mochila nas costas, buscando
experiências novas e querendo viver uma aventura, não quer é conversar sobre
“jamón” e “tortilla de batata” com desconhecidos, ao menos, não em seu idioma.
Não
sei, parece que pelo fato de sermos espanhóis somos obrigados a manter uma
conversa que sempre levará irremediavelmente ao lugar de que viemos. É algo que
nunca entendi. Se nos encontrássemos no metrô de Madrid, não conversaríamos
sobre nada, por que aqui sim? Que curiosa é a curiosidade. Sinto que as pessoas
me olham e me olham porque eu paro para ver coisas que a elas não chamam
atenção, pare elas, tudo isso é normal, é seu dia-a-dia. Para mim, não. Para
mim um cachorro dentro de uma gaiola com um pote de arroz não é normal. Isso
merece dois ou três minutos do meu tempo e uma ou outra foto. Por isso, paro
para ver qualquer coisa que aqui seja normal e me sinto observada, o que acho
engraçado. Seguramente, alguma vez, em Madrid parei para ver alguém porque
estava batendo uma foto de um lugar que vendia churros.
Que
curiosa é a curiosidade, sobretudo quando não pretende ser. “Quando em Roma,
faça como os romanos”. Provavelmente uma das frases feitas que mais me gera
amor e ódio. Ódio porque soa péssimo, e porque quase todo mundo enche a boca
para pronunciá-la como se realmente se deixassem levar por ela. Trata-se de uma
espécie de violação dramática socialmente aceita. E eu gosto porque é uma
verdade em si mesma, e provavelmente, o melhor conselho na hora de viajar. Um
conselho que nem sempre sai bem, que às vezes não é muito cômodo, mas que
normalmente faz com que você se integre muito mais e que entenda o porquê das
coisas. Sopa pela manhã aos 40 graus ao invés de uma torrada? Deve ter algum
motivo para isso.
A
noite.... a noite me fisga onde quer que eu esteja, por um lado é muito
parecida em todas as partes e de alguma forma faz com que uma um lugar ao
outro. Por outro lado, é como uma máquina do tempo, ou melhor dizendo, uma
máquina do espaço. Um tanto perigosa; me leva e traz sem avisar, me fazendo
sonhar com outros lugares em que também quero estar. Liberdade e convicção sob a
luz de neon.
Quando
eu viajo tento não repetir destinos. Ainda me falta muito para ver e me faltará
tempo para ir a todos os lugares que quero. Bem, e dinheiro, claro. Por outro
lado, há lugares que me atingiram tão profundo que sempre os tenho presentes.
Essa sensação depende muito do que aconteceu da primeira vez que estive ali,
como as pessoas me trataram ou as experiências que tive. Gosto de pensar que
sempre poderei voltar e que tudo continuará igual ao que foi. Mas isso não
acontece. Cada viagem é diferente. Muda você, mudam as pessoas, mudam as
experiências. Os lugares que vou guardando em minha cabeça são as projeções
dessas experiências, todos são boas lembranças ainda que no momento vivido não
tenham sido tão bons.
Ainda
que eu esteja um pouco mais ligada à Madrid, porque ali está minha família e
meus amigos, meu lar é onde eu estou a cada momento. A necessidade de querer
estar em tantos lugares faz com que, para mim, não haja um lugar concreto para
chamar de casa. Essas quatro paredes em que entre elas se acumulam coisas, que
te prendem a uma cidade. É que não preciso viver durante muito tempo em um
mesmo lugar para me sentir parte dele ou, pode ser que eu não goste de fazer
parte de alguma coisa por muito tempo, não sei.... vivo em um estado de
constante contradição. Quando estou em Madrid, faço todo o possível para me
desconectar de tudo que me rodeia, do trabalho, das pessoas e de tudo o que se
passa. E agora que estou aqui, gosto de estar conectada, saber o que acontece
lá e contar o que faço aqui. É curioso, mas falo mais com meus amigos estando a
10 mil quilômetros de distância do que a só duas quadras.
Hoje,
me levantei com um único objetivo: ver como o sol se põe. Passei o dia me
perguntando de onde poderia ver melhor o entardecer. Estava tão empolgada que
cheguei duas horas antes. Mas aqui estou. Esperando sem desesperar-me, me
deixando levar, sem pressa, porque realmente hoje não tenho nada melhor para
fazer. E amanhã, penso em repeti-lo.
Ir
de cidade em cidade, de vila em vila, me mover de um lugar a outro como as
pessoas daqui, que usam qualquer meio de transporte faz com que eu me sinta
menos passageira. Quando eu era pequena, odiava qualquer trajeto de ônibus de
mais de 50 quilômetros de distância, agora faço viagens de 14 horas em ônibus
sem banheiro, que param de repente em um bar de estrada fedido e não param mais
pelas 5 horas seguintes, com assentos que não param de mexer ou que não
reclinam o suficiente.
Sei
que como plano, soa fatal, mas eu gosto. Gosto de viver isso desde dentro.
Quando você sai um pouco do habitual, das rotas e caminhos marcados, quando
você se perde é quando acontecem as coisas, é quando você conhece um país de
verdade. É muito mais cômodo ir de uma cidade a outra de avião, mas você não se
perde. Você perde tudo o que acontece ao seu redor.
É
incrível como te marca a forma de ver a vida segundo o lugar onde você nasceu.
Ainda que generalizar seja injusto e as comparações horríveis, mas inevitáveis,
dependendo do país onde você está, vê as pessoas mais ou menos cinzas, mais ou
menos comunicativas, mais ou menos abertas e assim, à sua maneira, conseguem o
ponto de felicidade que precisam. Conseguem com o muito ou pouco que têm, com o
muito ou pouco que conhecem. Creio que a chave é que, segundo meu ponto de
vista, me parecem mais felizes, agradáveis ou atentos que eu. Essa é a razão: o
que alguém conhece.
Creio
que quanto mais viajo, mais valorizo outras formas de ver as coisas e mais
objetiva sou em como devo entender a vida. Eu gosto de Madrid, é uma cidade da
qual acabo sentindo saudade. Estou presa em um permanente estado de
insatisfação, que por outro lado me liberta constantemente.
Para
muitos, estou louca, sou instável, irresponsável e imprudente. Eles não podem
levar essa vida, não a entendem ou não a querem. Para outros sou como uma
aventureira, porque eles também sentiram alguma vez a necessidade de romper com
suas vidas para viverem outras coisas. Para mim, ficar quieta em um mesmo lugar,
vendo como passa o tempo é renunciar a tudo que não conheço.
Há
chegado o tempo de parar? Quero formar uma família. Bem, isso creio, mas não
sei quando nem onde. O que sei é que seguiria viajando, mas com eles. Lhes
mostraria estes lugares que sempre quero voltar e veríamos outros novos pontos
juntos. Encontrei casais com seus filhos dando uma volta ao mundo: duas
mochilas grandes, duas pequenas e muita paixão. Assim me vejo daqui a 20 anos.
Sonhar acordado é uma carga muito difícil de carregar. Creio que de alguma
maneira sou prisioneira da minha ânsia de liberdade constante e isso, não sei
se é bom ou ruim.
Conheço
pessoas que são felizes trabalhando no mesmo lugar depois de 10 anos, com sua
hipoteca, com suas férias em Menorca um verão após o outro. Não precisam de
mais do que isso. De algum modo, sinto certa inveja. Eles são felizes com o que
têm e cada vez isso é mais claro. E eu, bem, já não sou tanto. Às vezes, penso
que não posso ser feliz em um só lugar, terei que ser nessa cidade que não existe.
Nesta cidade construída na minha imaginação por vários pedaços dos diferentes
lugares em que estive e daqueles em que ainda estarei. Eu sei, estou confusa.”
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