sexta-feira, 19 de maio de 2017

SÍNDROME DO ETERNO VIAJANTE

O original do texto abaixo foi feito em espanhol, e é possível ouvi-lo no link que segue abaixo. A tradução foi feita por mim. E para saber um pouco mais sobre os autores do texto procure o site "Algo que recordar" .. a história desse casal é incrível :D

https://www.youtube.com/watch?v=7dKGcg_jBhw



“Hoje não é um dia qualquer, estou partindo novamente. Tenho esperado muitos meses para ir a outra de minhas longas viagens. Todos os aromas, cores e sabores que eram tão frescos em minha mente, começavam a ser recordações difusas que se misturavam com umas com as outras formando uma chuva de lugares que você quer voltar de novo e de novo...
Preciso voltar a perder a noção do tempo, e que cada dia da semana seja chamado o mesmo... não saber em que mês estou, é incrível, mas acontece.
Preciso que os domingos não sejam tristes, ou as quartas-feiras o dia do espectador. Quero que a única coisa importante seja pensar o que fazer em cada momento: onde dormir a cada dia, o que comer, como chegar à cidade seguinte, o que me espera ao descer do próximo ônibus, do próximo barco, do próximo trem...
Não gosto de voar, mas é o preço que tenho que pagar para que, a partir de hoje, cada dia não seja um dia qualquer. O melhor de estar longe de tudo que conheço é saber que a cada passo que dou, algo totalmente novo me espera. Não ter um caminho certo em que eu sei de cor cada semáforo, cada loja, cada esquina... faz-me seguro em tudo ao meu redor. Que eu fique alerta para não perder nada. É então que tenho a sensação de estar em um momento único e que tudo o mais não importa.
Reconheço que estou presa a essa forma de vida. Estou aqui, neste lugar estranho ao meu mundo, agora. E talvez, não volte nunca mais. Tenho que aproveitar cada momento, guardá-lo na memória, para que daqui a muitos anos, eu recupere algum segundo de tudo isso. Algum segundo que tenha sobrevivido ao passar do tempo, e que me recorde daqui por um momento. Não me lembro o que aconteceu em um dia normal da escola há três semanas, mas quero recordar que estive aqui...
Sempre acontece o mesmo, é difícil eu me adaptar às mudanças. É uma pequena descompressão, ou melhor, uma pequena compressão de costumes diferentes que me pegam desprevenida no começo, os mesmos em que pouco tempo me acostumo e faço-os meus. Nunca me deixa de surpreender a capacidade de adaptação que tem o ser humano.
Reconheço que não gosto de encontrar espanhóis pelo mundo. Quando isso ocorre, procuro não falar e passar desapercebida... em parte, me sinto mal por fazer isso, mas a verdade é que odeio as exaltações nacionalistas a quilômetros do seu país. Além disso, é uma situação que torna tudo menos autêntico .... menos especial. E sejamos sinceros, quando alguém está fora de casa, mochila nas costas, buscando experiências novas e querendo viver uma aventura, não quer é conversar sobre “jamón” e “tortilla de batata” com desconhecidos, ao menos, não em seu idioma.
Não sei, parece que pelo fato de sermos espanhóis somos obrigados a manter uma conversa que sempre levará irremediavelmente ao lugar de que viemos. É algo que nunca entendi. Se nos encontrássemos no metrô de Madrid, não conversaríamos sobre nada, por que aqui sim? Que curiosa é a curiosidade. Sinto que as pessoas me olham e me olham porque eu paro para ver coisas que a elas não chamam atenção, pare elas, tudo isso é normal, é seu dia-a-dia. Para mim, não. Para mim um cachorro dentro de uma gaiola com um pote de arroz não é normal. Isso merece dois ou três minutos do meu tempo e uma ou outra foto. Por isso, paro para ver qualquer coisa que aqui seja normal e me sinto observada, o que acho engraçado. Seguramente, alguma vez, em Madrid parei para ver alguém porque estava batendo uma foto de um lugar que vendia churros.
Que curiosa é a curiosidade, sobretudo quando não pretende ser. “Quando em Roma, faça como os romanos”. Provavelmente uma das frases feitas que mais me gera amor e ódio. Ódio porque soa péssimo, e porque quase todo mundo enche a boca para pronunciá-la como se realmente se deixassem levar por ela. Trata-se de uma espécie de violação dramática socialmente aceita. E eu gosto porque é uma verdade em si mesma, e provavelmente, o melhor conselho na hora de viajar. Um conselho que nem sempre sai bem, que às vezes não é muito cômodo, mas que normalmente faz com que você se integre muito mais e que entenda o porquê das coisas. Sopa pela manhã aos 40 graus ao invés de uma torrada? Deve ter algum motivo para isso.
A noite.... a noite me fisga onde quer que eu esteja, por um lado é muito parecida em todas as partes e de alguma forma faz com que uma um lugar ao outro. Por outro lado, é como uma máquina do tempo, ou melhor dizendo, uma máquina do espaço. Um tanto perigosa; me leva e traz sem avisar, me fazendo sonhar com outros lugares em que também quero estar. Liberdade e convicção sob a luz de neon.
Quando eu viajo tento não repetir destinos. Ainda me falta muito para ver e me faltará tempo para ir a todos os lugares que quero. Bem, e dinheiro, claro. Por outro lado, há lugares que me atingiram tão profundo que sempre os tenho presentes. Essa sensação depende muito do que aconteceu da primeira vez que estive ali, como as pessoas me trataram ou as experiências que tive. Gosto de pensar que sempre poderei voltar e que tudo continuará igual ao que foi. Mas isso não acontece. Cada viagem é diferente. Muda você, mudam as pessoas, mudam as experiências. Os lugares que vou guardando em minha cabeça são as projeções dessas experiências, todos são boas lembranças ainda que no momento vivido não tenham sido tão bons.
Ainda que eu esteja um pouco mais ligada à Madrid, porque ali está minha família e meus amigos, meu lar é onde eu estou a cada momento. A necessidade de querer estar em tantos lugares faz com que, para mim, não haja um lugar concreto para chamar de casa. Essas quatro paredes em que entre elas se acumulam coisas, que te prendem a uma cidade. É que não preciso viver durante muito tempo em um mesmo lugar para me sentir parte dele ou, pode ser que eu não goste de fazer parte de alguma coisa por muito tempo, não sei.... vivo em um estado de constante contradição. Quando estou em Madrid, faço todo o possível para me desconectar de tudo que me rodeia, do trabalho, das pessoas e de tudo o que se passa. E agora que estou aqui, gosto de estar conectada, saber o que acontece lá e contar o que faço aqui. É curioso, mas falo mais com meus amigos estando a 10 mil quilômetros de distância do que a só duas quadras.
Hoje, me levantei com um único objetivo: ver como o sol se põe. Passei o dia me perguntando de onde poderia ver melhor o entardecer. Estava tão empolgada que cheguei duas horas antes. Mas aqui estou. Esperando sem desesperar-me, me deixando levar, sem pressa, porque realmente hoje não tenho nada melhor para fazer. E amanhã, penso em repeti-lo.
Ir de cidade em cidade, de vila em vila, me mover de um lugar a outro como as pessoas daqui, que usam qualquer meio de transporte faz com que eu me sinta menos passageira. Quando eu era pequena, odiava qualquer trajeto de ônibus de mais de 50 quilômetros de distância, agora faço viagens de 14 horas em ônibus sem banheiro, que param de repente em um bar de estrada fedido e não param mais pelas 5 horas seguintes, com assentos que não param de mexer ou que não reclinam o suficiente.
Sei que como plano, soa fatal, mas eu gosto. Gosto de viver isso desde dentro. Quando você sai um pouco do habitual, das rotas e caminhos marcados, quando você se perde é quando acontecem as coisas, é quando você conhece um país de verdade. É muito mais cômodo ir de uma cidade a outra de avião, mas você não se perde. Você perde tudo o que acontece ao seu redor.
É incrível como te marca a forma de ver a vida segundo o lugar onde você nasceu. Ainda que generalizar seja injusto e as comparações horríveis, mas inevitáveis, dependendo do país onde você está, vê as pessoas mais ou menos cinzas, mais ou menos comunicativas, mais ou menos abertas e assim, à sua maneira, conseguem o ponto de felicidade que precisam. Conseguem com o muito ou pouco que têm, com o muito ou pouco que conhecem. Creio que a chave é que, segundo meu ponto de vista, me parecem mais felizes, agradáveis ou atentos que eu. Essa é a razão: o que alguém conhece.
Creio que quanto mais viajo, mais valorizo outras formas de ver as coisas e mais objetiva sou em como devo entender a vida. Eu gosto de Madrid, é uma cidade da qual acabo sentindo saudade. Estou presa em um permanente estado de insatisfação, que por outro lado me liberta constantemente.
Para muitos, estou louca, sou instável, irresponsável e imprudente. Eles não podem levar essa vida, não a entendem ou não a querem. Para outros sou como uma aventureira, porque eles também sentiram alguma vez a necessidade de romper com suas vidas para viverem outras coisas. Para mim, ficar quieta em um mesmo lugar, vendo como passa o tempo é renunciar a tudo que não conheço.
Há chegado o tempo de parar? Quero formar uma família. Bem, isso creio, mas não sei quando nem onde. O que sei é que seguiria viajando, mas com eles. Lhes mostraria estes lugares que sempre quero voltar e veríamos outros novos pontos juntos. Encontrei casais com seus filhos dando uma volta ao mundo: duas mochilas grandes, duas pequenas e muita paixão. Assim me vejo daqui a 20 anos. Sonhar acordado é uma carga muito difícil de carregar. Creio que de alguma maneira sou prisioneira da minha ânsia de liberdade constante e isso, não sei se é bom ou ruim.
Conheço pessoas que são felizes trabalhando no mesmo lugar depois de 10 anos, com sua hipoteca, com suas férias em Menorca um verão após o outro. Não precisam de mais do que isso. De algum modo, sinto certa inveja. Eles são felizes com o que têm e cada vez isso é mais claro. E eu, bem, já não sou tanto. Às vezes, penso que não posso ser feliz em um só lugar, terei que ser nessa cidade que não existe. Nesta cidade construída na minha imaginação por vários pedaços dos diferentes lugares em que estive e daqueles em que ainda estarei. Eu sei, estou confusa.”

“A síndrome do eterno viajante é a sensação de não estar cômodo em nenhum lugar porque você precisa estar em outros. É a ansiedade que você sente ao pensar que nunca será feliz em um só lugar. É uma doença... que te salva a vida.”

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